No dia a dia das grandes redes varejistas, é comum que termos como auditoria, compliance, controles internos, gestão de riscos e ouvidoria sejam usados como sinônimos. À primeira vista, essa confusão parece inofensiva, afinal, todas essas áreas lidam com processos, normas e fiscalização. Recentemente, abordei este tema em minha coluna na Varejo SA
Quando essa imprecisão conceitual ultrapassa o campo da linguagem e compromete a estrutura operacional, o custo pode ser alto: ineficiência, perdas financeiras e uma governança corporativa fragilizada.
Para redes com dezenas ou centenas de lojas, onde a complexidade operacional é exponencial, não basta ter essas áreas no organograma. É preciso que cada uma atue com clareza sobre seu papel específico, de forma integrada e complementar. Quando os limites de responsabilidade se diluem, cria-se um ciclo de controle vulnerável, onde ninguém sabe exatamente onde começa e termina sua função.
É nessa brecha que surgem as perdas desconhecidas que corroem a margem de lucro
"Quando as funções de auditoria, compliance, controles internos, gestão de riscos e ouvidoria não estão delimitadas, o resultado, normalmente, é confusão, dispersão e processos que se sobrepõem. É aí que surgem as falhas e, consequentemente, as perdas."
Cada função tem um papel estratégico definido
A primeira questão a ser enfrentada é compreender que a designação dessas diferentes áreas não é burocracia: é estratégia. Cada uma dessas funções foi desenhada para atuar em um ponto específico do ciclo de governança corporativa, e quando bem estruturadas, formam um sistema de defesa em múltiplas camadas contra perdas e riscos operacionais.
Controles internos:
São a base de tudo. Essa área é responsável por desenhar os processos, definir as regras operacionais e estabelecer o passo a passo prático das atividades: desde o recebimento de mercadorias até o descarte de produtos vencidos. São os controles internos que determinam, por exemplo, como deve ser feito o registro de quebras ou qual o procedimento correto para abertura e fechamento de caixa.
Auditoria:
Entra como a segunda linha de defesa. Sua função é validar se os controles desenhados estão sendo executados conforme o planejado, identificar falhas e propor correções. A auditoria não cria as regras, ela verifica se elas estão funcionando na prática, nas centenas de lojas espalhadas pelo país.
Compliance:
Atua em uma camada ainda mais estratégica: garante que todos os processos e controles estejam em conformidade com legislações, normas regulatórias e políticas corporativas. É a área que responde à pergunta: "Estamos fazendo isso da forma correta perante a lei e nossos valores?"
Gestão de riscos:
Complementa esse ecossistema ao analisar os impactos e consequências que podem comprometer a operação, a rentabilidade ou a reputação da empresa. Essa área mapeia cenários, quantifica ameaças e propõe estratégias de mitigação.
Ouvidoria:
Funciona como um canal de escuta ativa: uma antena sensível capaz de detectar erros, desvios e problemas que podem escapar dos sistemas formais de controle, captando informações diretamente de colaboradores, clientes e parceiros.
O custo da confusão: perdas invisíveis e responsabilidades diluídas
Quando essas funções não estão claramente delimitadas, o resultado é previsível: sobreposição de atividades, dispersão de responsabilidades e, principalmente, brechas nos controles. É um cenário mais comum do que se imagina, sobretudo em redes que cresceram rapidamente ou que ainda estão construindo suas estruturas de governança.
Na prática, isso se manifesta de diversas formas: a auditoria tenta desenhar processos que deveriam vir dos controles internos; o compliance acaba fazendo papel de fiscal operacional; a gestão de riscos não consegue mapear ameaças porque os dados estão fragmentados entre áreas que não se comunicam. O resultado é uma operação com processos pouco confiáveis e decisões tomadas com base em informações que não dialogam entre si.
Para um diretor de operações ou de prevenção de perdas, esse cenário gera uma frustração constante: mesmo investindo em pessoas e sistemas, as perdas continuam acontecendo. A "quebra desconhecida" permanece acima da meta, e é impossível identificar a causa raiz porque não há clareza sobre quem é responsável por qual parte do problema.
Tecnologia como alicerce para coordenação e visibilidade
A solução para esse desafio não passa por aumentar o número de controles ou contratar mais auditores. O caminho é melhorar a coordenação entre as funções, garantindo que cada área compreenda claramente seu papel e atue de modo complementar. E é aqui que a tecnologia se torna uma aliada estratégica.
Ferramentas de monitoramento inteligente, integração de dados e análises automatizadas já permitem que grandes redes acompanhem suas operações em tempo real, detectem padrões de risco e tomem decisões baseadas em evidências concretas. Ao transformar dados em informação acionável, essas soluções possibilitam uma gestão de controles muito mais eficaz, fortalecendo todas as áreas relacionadas.
No varejo físico, onde a complexidade operacional é exponencial, sistemas que unificam informações de diferentes pontos de controle(como transações de caixa, movimentação de estoque, eventos de alarme e registros de auditoria) criam uma visão integrada do negócio. Isso permite identificar riscos com maior precisão e preveni-los antecipadamente, em vez de apenas reagir quando o prejuízo já aconteceu.
A Plataforma Darwin, por exemplo, foi desenvolvida justamente com essa finalidade: conectar dados, dispositivos e equipes em tempo real, gerando insights que podem ser transformados em ações concretas. Quando a auditoria, os controles internos e a gestão de riscos trabalham sobre uma base única de informações, a eficiência aumenta e as perdas diminuem de forma mensurável.
Cultura, mentalidade e o papel da liderança
É importante ressaltar que a tecnologia, sozinha, não resolve tudo. Ela precisa estar acompanhada por uma cultura organizacional que valorize a clareza de papéis, a colaboração entre áreas e o aprendizado contínuo. Mais do que um investimento em sistemas, trata-se de uma mudança de mentalidade.
A liderança tem um papel central nesse processo. Cabe aos diretores e gestores de topo estabelecer com clareza as fronteiras e responsabilidades de cada função, garantir que as áreas se comuniquem de forma estruturada e criar uma
cultura onde a prevenção de perdas é vista como responsabilidade de todos, não apenas de um departamento isolado.
Quando processos claros, cultura de colaboração e tecnologia aplicada com propósito atuam de forma sinérgica, o resultado é uma operação mais transparente, eficaz e preparada para crescer de maneira sustentável. As perdas deixam de ser um "mistério" para se tornarem um problema mapeado, mensurável e, principalmente, solucionável.
Conclusão: governança eficiente começa com clareza de papéis
A confusão entre auditoria, compliance, controles internos, gestão de riscos e ouvidoria não é apenas uma questão semântica. É um problema estrutural que compromete a eficiência operacional e gera perdas financeiras concretas. Para grandes redes varejistas, onde a escala amplifica qualquer fragilidade nos processos, ter clareza sobre o papel de cada área é um diferencial competitivo.
A boa notícia é que, com a combinação certa de estrutura organizacional, cultura de colaboração e tecnologia aplicada de forma estratégica, é possível transformar esse ciclo de controle fragilizado em um sistema robusto de governança. O resultado é uma operação mais segura, transparente, lucrativa e preparada não apenas para crescer, mas para crescer de forma sustentável e controlada.



