Definir o preço de um produto vai muito além de uma simples conta de custo versus margem. Em um jogo de centavos que define a lucratividade do varejo, a decisão entre aumentar ou diminuir um valor é uma ciência complexa, que envolve psicologia do consumidor, análise de dados e, hoje, inteligência artificial.

No episódio 138 do PDV Podcast, Por Dentro do Varejo, eu, Gustavo Carrer, e a Fernanda Vasconcelos, conversamos com Edmilson Varejão, especialista em dados, precificação e gestão de receita. Ele desvendou a "ciência dos preços", mostrando como identificar o ponto de preço ideal, usar a IA a favor do negócio e evitar armadilhas comuns que custam caro aos varejistas.

Separei aqui os principais insights desta aula sobre pricing!

Lucro em reais vs margem percentual: o que realmente paga as contas?

Um dos primeiros conceitos desmistificados por Edmilson é a busca cega por margens percentuais mais altas.

“Se você consegue reduzir preços de alguns produtos em um nível percentual e consegue mais do que proporcionalmente aumentar as vendas desse produto, eventualmente vai conseguir ter mais lucro em reais. Por quê? Você vendeu com a margem percentual um pouco menor, porém vendeu mais quantidade. A tal da “elasticidade” é isso.” — Edmilson Varejão

O segredo está na elasticidade, em identificar quais produtos podem ter o preço reduzido para alavancar as vendas e, com isso, aumentar o lucro total em reais, mesmo com uma margem percentual um pouco menor. Esse equilíbrio passa por identificar esses produtos que devem ter preços agressivos e outros que podem sustentar margens mais altas.

Quais são os desafios do pricing? Por que a lista de “produtos notáveis” pode ser uma armadilha?

Edmilson apontou dois desafios centrais para qualquer varejista:

  1. Identificar quais produtos devem ter o preço aumentado ou reduzido.
  1. Definir o quanto aumentar ou reduzir.

Muitos tentam resolver o primeiro problema com listas genéricas de "produtos de imagem" ou "produtos notáveis". No entanto, Edmilson alerta que a realidade de cada loja é única.

“Cada loja tem sua própria realidade e um produto que vende muito em uma determinada localização, pode não vender em outra loja da mesma rede. [...] É claro que entre não ter nada e ter uma lista dessa que circula, é melhor ter uma lista que circula, mas o ideal para quem está um pouco maior é olhar os próprios dados para entender o que é um produto de tráfego, renda, imagem etc.” — Edmilson Varejão

Edmilson ilustra essa ideia com um caso real: uma loja que vendia muito batata chips porque ficava em frente a um ponto de ônibus, enquanto outra loja da mesma rede, sem esse tráfego, não tinha o mesmo desempenho. Ou seja, o mesmo produto pode ter papéis diferentes (tráfego, renda, imagem) em lojas diferentes. A solução ideal é analisar os dados próprios de cada operação.

Isso mostra que não existe estratégia única: precificação precisa considerar contexto, jornada do cliente e perfil de consumo de cada unidade.

O que é a estratégia "good, better, best" em pricing?

Inspirada no setor de vinhos, uma das estratégias mais eficazes de pricing e sortimento é o "Good, Better, Best" (Bom, Melhor, Excelente). A ideia é oferecer três opções de produtos similares em categorias estratégicas: um produto mais básico e barato, um intermediário (onde normalmente está a margem alvo) e um premium, voltado a quem busca prestígio ou confiança de marca.

“Essa estratégia de ter a decisão de três produtos que competem entre si, é um viés psicológico que a gente tem, o ser humano gosta de comprar, mas não gosta de sofrer na venda. A pessoa quando encontra três opções, sente que tem poder de escolha e pesquisa menos em outras lojas.” — Edmilson Varejão

Ao dar opções, o cliente sente que teve poder de escolha e fez um bom negócio. Pesquisas mostram que, nesse cenário, os consumidores tendem a pesquisar menos em outras lojas, aumentando a conversão.

Inteligência artificial no pricing: do preço certo ao ganho de margem

A grande revolução trazida pela IA na precificação está na capacidade de analisar relações complexas entre produtos. O modelo utilizado por Edmilson vai além da "elasticidade própria" (como o preço do produto A afeta sua própria venda) e calcula também a "elasticidade cruzada" (como o preço do produto A afeta as vendas do produto B).

“O maior rival do desodorante que você está vendendo da marca A, não é o desodorante da marca A da loja do vizinha, é o desodorante da marca B que está na sua própria loja.” — Edmilson Varejão

Muitas promoções são deficitárias porque, ao baixar o preço de um item, o varejista apenas "rouba" vendas de um produto concorrente dentro da própria loja, mantendo o volume total da categoria estável, mas com uma margem média menor. O algoritmo de IA otimiza os preços de todos os produtos simultaneamente, considerando essas relações cruzadas para maximizar o lucro total da categoria, e não de um item isolado.

Resultados reais: aumentos expressivos de margem com a tecnologia  

A aplicação desses modelos avançados gera resultados tangíveis. Edmilson compartilha cases de clientes que realizaram testes A-B controlados.

“A gente tem casos que a gente já conseguiu aumentar 5.4 pontos percentuais de margem, outros que a gente gerou mais de 10 pontos percentuais de margem. [...] Projeto de pricing é a maior alavanca de ganho de lucratividade que você pode ter na sua loja.” — Edmilson Varejão

Em um varejo de margens apertadas, um ganho de 5 a 10 pontos percentuais é transformador. E, em muitos casos, esse ganho é alcançado sem alterar o preço médio da categoria, apenas realocando preços internamente de forma inteligente, sem afetar a percepção de valor do cliente.

O online é o novo maior concorrente: a âncora de preço digital

Edmilson foi enfático: o preço online impacta diretamente as vendas físicas, mesmo em cidades menores. O consumidor moderno inicia sua jornada de compra na internet, formando uma expectativa de preço que ele levará para a loja física.

“O maior competidor não é essa rede que ele viu o preço na internet, é o cliente sair sem comprar. Por quê? Porque ele formou uma expectativa de preço, ancorou o preço, como a gente chama, chegou na sua loja e se frustrou.” — Edmilson Varejão

Ignorar essa realidade é um erro crasso. A concorrência agora não é mais apenas a loja da esquina, mas qualquer e-commerce ou marketplace acessível pelo celular do consumidor.

Pricing como alavanca estratégica

A conversa com Edmilson Varejão no PDV #138 deixa claro que a precificação evoluiu de uma função operacional para uma estratégia central de lucratividade. Não se trata mais de intuir ou copiar listas, mas de adotar uma abordagem orientada por dados.

Compreender conceitos como elasticidade, lucro em reais e a estratégia "Good, Better, Best" é fundamental. No entanto, o verdadeiro diferencial competitivo está no uso de ferramentas e de inteligência artificial que conseguem capturar a complexidade das relações entre produtos e canais, encontrando o ponto de preço ótimo que maximiza o resultado.

Como bem resumiu Edmilson, em um jogo de centavos, a precisão da ciência de dados é o que separa o varejista que sobrevive daquele que prospera.