A velocidade das transformações no varejo exige das lideranças muito mais do que conhecimento técnico. Exige abertura, humildade e  coragem para lidar com um cenário onde a única certeza é a mudança. Essa foi uma das mensagens centrais do episódio 135 do PDV Podcast, que contou com a presença de Ricardo Pastore, especialista em Varejo e Consumo, conselheiro, professor e uma importante referência quando o assunto é comportamento do consumidor.

Ao longo da conversa, abordamos temas fundamentais para o presente e o futuro do varejo: a liderança em tempos de incerteza, a importância da cultura organizacional, o uso de dados, o papel da loja física na era digital, o crescimento do retail media e, claro, a experiência do omnishopper, conceito que Pastore desenvolve há anos.

Liderança ambidestra no varejo: agir no presente, pensando no futuro

Para Pastore, a liderança contemporânea deve ser ambidestra: capaz de entregar resultados no agora, mas com olhos atentos ao futuro. Isso exige mais do que domínio técnico, exige inteligência emocional e capacidade crítica.

“Então, o executivo, a liderança nesse momento tem que ter uma mente aberta, não pode ser muito preso a certos conceitos, muitas coisas que aprendemos no passado estão em dúvida nesse momento. A certeza é: temos um resultado a entregar, um time a motivar, um cliente a cativar e uma concorrência a manter distância.” — Ricardo Pastore

Pastore também deu um exemplo prático que vivenciou, quando trabalhou para a rede Makro: o desafio de entender por que a categoria de iogurtes tinha baixo desempenho. Em vez de emitir uma opinião apressada, ele foi a campo, analisou concorrentes, levantou dados e propôs uma mudança de mix e comunicação, revertendo os resultados. Um exemplo prático de como decisões mais assertivas nascem da análise cuidadosa aliada à experiência.

Omnishopper: os momentos chave na jornada de compra

Outro ponto alto do episódio é quando Ricardo detalha seu modelo dos momentos chave da experiência do omnishopper, ou seja, o comprador da era omnichannel. Com a jornada de compra cada vez mais fragmentada e emocional, é exigido dos varejistas que pensem cada ponto de contato com o consumidor como uma oportunidade de gerar valor.

  1. Pesquisa e conhecimento: onde o shopper desenvolve segurança para iniciar a compra. Consumidores buscam segurança emocional antes de comprar. Plataformas como o TikTok Shop têm sucesso porque facilitam o aprendizado por meio de vídeos e recomendações de outros usuários.
  2. Concepção e conexão: momento emocional, de conexão com marcas e produtos. A jornada não é linear e pode começar em um contexto totalmente diferente do produto final. O segredo está em provocar emoções positivas.
  3. Contato: definição dos canais e emoções a serem provocadas.
  4. Avaliação: etapa frequentemente negligenciada, mas essencial para o aprendizado. Muitas empresas deixam para medir a satisfação apenas no final da jornada, perdendo oportunidades de ajustes rápidos. O professor Pastore usou o exemplo do Uber, que ao terminar uma corrida, a avaliação do serviço já pode ser feita de forma imediata.

“A experiência pode ser traduzida por emoções. Cada ponto de contato deve ser planejado minunciosamente para provocar uma emoção e fazer o cliente se sentir valorizado. [...] A marca é um conjunto de emoções, o que chamamos de brand experience.” — Ricardo Pastore

O alerta para os varejistas é claro: plataformas rápidas e sem atrito tendem a se tornar commodities. O diferencial estará na emoção gerada.

NPS e a importância da avaliação contínua

Ricardo Pastore faz uma crítica importante ao uso tradicional do NPS (Net Promoter Score): muitas empresas concentram a pesquisa de satisfação apenas no final da jornada, perdendo a oportunidade de identificar e corrigir falhas em pontos específicos do atendimento.

Ele relata uma prática comum (e problemática) em lojas: colaboradores pedindo explicitamente para o cliente dar nota 9 ou 10 — já que, no cálculo do NPS, apenas essas avaliações são consideradas "promotoras" da marca. Essa abordagem, além de artificial, mascara problemas reais que poderiam ser resolvidos com feedback em tempo real.

"É muito risco você colocar a avaliação só no final. Às vezes tem muita coisa boa que acontece e você não avalia exatamente, deixa pra fazer uma única avaliação pra vários pontos de contato. Quando vem a nota 8, 9, a pergunta é: onde que a gente errou?"  — Ricardo Pastore

A solução está em avaliar a experiência do cliente em diferentes etapas da jornada, monitorar os resultados com frequência — de preferência diariamente — e garantir a integração entre os canais físico e digital para evitar frustrações durante o atendimento.

Cases de sucesso de integração e inovação

Pastore também deu exemplos positivos de empresas que estão redesenhando a experiência de compra:

  • NeoMold: plataforma que integra lojas próprias, franquias e multimarcas, permitindo trocas flexíveis.
  • Magalu: com sua nuvem própria e tecnologia omnichannel, está liderando inovações no varejo brasileiro.
  • Rappi Turbo e Amazon Prime: modelos de assinatura e entrega ultrarrápida que estão redefinindo a conveniência.

Loja física como hub de experiência

Apesar da digitalização, a loja física continua sendo, segundo pesquisas citadas por Pastore, o principal ponto de contato lembrado pelo shopper. Por isso, ela precisa deixar de ser apenas um local de transação para se tornar um hub de experiências.

“O principal ponto de contato é a loja física. Uma estratégia omnichannel, para ela ser completa, bem feita, tem que ter uma loja física no meio.  [...] Quem não está utilizando a loja física como hub de experiência está desperdiçando.” — Ricardo Pastore

No bate-papo, Adriano Sambugaro lembrou o caso do Busca Busca, varejista de São Paulo que, mesmo com uma proposta simples, atrai consumidores por meio de narrativas envolventes, personagens e conexão emocional, ainda que a experiência no ponto de venda não seja impecável.

Retail media e dados: a nova fronteira da monetização

O potencial do retail media como nova fonte de receita para o varejo também foi destaque na entrevistaPastore deixou claro: sem dados, a geração de receita não acontece. É preciso transformar dados em métricas, e essas métricas em argumentos comerciais para atrair marcas anunciantes.

“A inteligência artificial é um exemplo que só vai funcionar se houver dados estruturados. E o varejo já tem esses dados, especialmente o dado de sell-out, que cobre 100% das vendas.” — Ricardo Pastore

Ao comparar o varejo com gigantes como Google e Meta, Pastore defende que é possível, sim, entregar retorno e audiência qualificada também no ambiente físico, desde que haja tecnologia para captar, tratar e analisar as informações.

Cultura organizacional: o fator invisível que pode travar a inovação

Por fim, Ricardo compartilhou sua experiência à frente da comunidade “IA no Varejo”, voltada à discussão dos impactos da inteligência artificial nos processos. Segundo ele, mais do que resistência técnica, o maior desafio das empresas é cultural, pois as empresas naturalmente resistem às mudanças por diversos fatores. O primeiro trabalho a se fazer é um tipo de assessment nas lideranças.

“Se você chega com uma tecnologia incrível, mas encontra uma liderança que diz ‘espera aí, pode apertar esse botão?’, a coisa não anda. Antes do treinamento técnico, é preciso formar visão.” — Ricardo Pastore

Conclusão: emoção, dados e estratégia na mesma mesa

O episódio 135 do podcast PDV com Ricardo Pastore reforça uma tendência que já vem ganhando força: o varejo do futuro será dominado por quem conseguir unir estratégia, emoção e tecnologia. Dados são essenciais, mas só entregam valor quando conectados a uma visão clara de experiência. E essa visão começa pela liderança.