Durante muito tempo, o varejo brasileiro falou em omnichannel como tendência. Mas, na prática, integrar canais físicos e digitais ainda é um desafio para a maioria das empresas. Afinal, basta abrir um e-commerce e investir em redes sociais, ou existe algo mais profundo nessa estratégia?

No episódio 137 do PDV Podcast, eu e Gustavo Carrer recebemos Andrea Rios, fundadora e CEO da Orcas, professora convidada da FGV e especialista em omnichannel, vendas e experiência do cliente. Na conversa, Andrea mostrou por que a omnicanalidade é vital para conquistar a fidelidade do consumidor, revelou erros que custaram caro a gigantes do varejo e destacou os acertos de marcas que se tornaram referência, como Magalu e Renner.

Confira aqui os principais destaques desta conversa.

A importância da integração entre canais físicos e digitais

Segundo Andrea, o consumidor atual não é online ou offline: ele é fluido. Ele pesquisa preços no app, compra pelo WhatsApp, troca na loja física, reclama no Instagram e espera ser reconhecido em todos os pontos de contato.

“Não ter esses canais integrados, é na prática hoje, entregar uma experiência para o consumidor final fragmentada, descoordenada.” — Andrea Rios

Os dados confirmam: clientes que vivenciam experiências integradas podem aumentar em até 50% o volume médio de compras com uma mesma marca. Ou seja, não investir em omnicanalidade é abrir espaço para a concorrência.

“Omnichannel não é sobre tecnologia, é sobre relevância. As marcas que não avançam nesse caminho, correm o risco de se tornarem irrelevantes.”

Magazine Luiza e Pão de Açúcar: exemplo de sucesso e de erros que custaram caro

Um dos exemplos mais citados de sucesso é o Magazine Luiza, pioneiro no Brasil a estruturar uma operação verdadeiramente omnicanal ainda em 2016. A rede mostrou que integração não é imediata, mas gera resultados consistentes no longo prazo.

Por outro lado, Andrea lembrou falhas históricas. O Pão de Açúcar, ao lançar a Amélia.com, manteve operações físicas e digitais apartadas e fracassou. A Via Varejo também sofreu ao investir pesado no online sem integrar canais, acumulando prejuízos até corrigir o percurso.

Já o setor de moda, historicamente atrasado na omnicanalidade, surpreendeu em 2023. A gigante C&A, antes vista como “adormecida”, deu um salto ao investir em logística, fulfillment e experiência digital. O resultado foi imediato: crescimento de vendas, aumento de lucro e valorização de suas ações.

Como medir a maturidade omnichannel no varejo?

Para ajudar empresas a avançar, Andrea desenvolveu o Índice Orcas, metodologia criada a partir de sua pesquisa de mestrado aplicada no Magazine Luiza. O índice avalia a jornada do cliente em nove áreas: experiência digital, física, logística, mobile, marketing, social media, pós-venda, liderança e engajamento de stakeholders.

“O Índice Orcas traz um score global da empresa e mostra onde estão os pontos de fricção, os gargalos e as oportunidades de conversão em vendas, lealdade e satisfação.” — Andrea Rios

Esse diagnóstico permite priorizar ações de maior impacto e criar um plano de ação estratégico, sempre alinhando dados e experiência do consumidor.

Cinco estratégias de impacto para avançar no omnichannel

Ao longo da conversa, Andrea destacou cinco frentes que aceleram resultados em omnicanalidade:

1. Unificação de dados: a base para decisões estratégicas

Muitas empresas ainda trabalham com informações isoladas em áreas diferentes, o que gera ruídos e decisões equivocadas. Para Andrea, integrar essas informações é o primeiro passo.

Essa centralização permite enxergar de forma consistente o comportamento de compra e direcionar investimentos de forma mais assertiva.

2. Estoque integrado e logística inteligente

Sem integração de estoques, a omnicanalidade não se sustenta. Andrea lembra que a transparência no estoque influencia diretamente a conversão:

“Quando o cliente tem a visibilidade de estoque, a chance dele ir até a loja e buscar o produto aumenta em 33%.” — Andrea Rios

Além disso, a logística precisa ser flexível, oferecendo retirada em loja, entregas rápidas e devoluções simplificadas.

3. Equipe de loja digitalizada

Não basta digitalizar sistemas e canais: o vendedor precisa estar incluído nesse processo.

“Muitas vezes a empresa está se digitalizando, mas não está digitalizando o vendedor. Esse vendedor tem que ser um consultor, capaz de acessar pelo CPF e saber o histórico de compras do cliente.” — Andrea Rios

Essa transformação amplia a receita e torna a experiência de compra mais personalizada e fluida.

4. Campanhas omnicanal para engajamento

Promoções isoladas já não funcionam, as campanhas precisam ser consistentes em todos os pontos de contato. Essa coerência aumenta a taxa de conversão e fortalece a percepção da marca.

5. Pós-venda resolutivo: a maior oportunidade de fidelização

Se há uma dor universal, é o pós-venda. Andrea aponta que esse será o próximo grande campo de revolução:

“Para mim, o pós-venda ainda vai ser a grande revolução. É uma oportunidade enorme, porque ainda é uma dor muito grande para o cliente final.” — Andrea Rios

Com inteligência artificial generativa, já é possível automatizar até 80% dos atendimentos, reduzindo custos e melhorando a satisfação. O essencial, segundo ela, é combinar tecnologia com empatia, garantindo que o cliente sempre tenha a opção de falar com um humano quando necessário.

Inteligência artificial generativa: a próxima revolução no varejo

Se no passado o omnichannel foi impulsionado pela integração de estoques e dados, o futuro está na IA generativa. Andrea destaca especialmente o impacto no pós-venda, área crítica para a experiência do consumidor.

“Com inteligência artificial generativa, já tivemos casos em que 80% das demandas foram resolvidas pelo bot, reduzindo custos e aumentando a satisfação do cliente em até 15%.” — Andrea Rios

O alerta, no entanto, é claro: IA não é mágica. É preciso preparar dados, treinar equipes e manter supervisão humana. Para o consumidor brasileiro, a tecnologia deve andar junto da empatia no atendimento.

Omnichannel também é para pequenos e médios varejistas

Engana-se quem pensa que a omnicanalidade é privilégio dos grandes varejistas. Andrea defende que PMEs também podem começar, mesmo com recursos limitados.

“Pode começar numa planilha de Excel, captando dados básicos como CPF, nome e histórico de compras. O importante é estruturar a base de dados e evoluir gradualmente.” — Andrea Rios

Com ferramentas acessíveis, até padarias e supermercados de bairro já estão iniciando sua jornada omnichannel, coletando dados primários e usando IA para otimizar descrições de produtos e melhorar SEO, gerando resultados concretos em vendas.

Conclusão: Omnichannel como estratégia de sobrevivência

O episódio 137 do PDV Podcast deixa claro que a omnicanalidade não é opcional. É estratégia de sobrevivência em um mercado onde o consumidor transita entre canais com naturalidade e exige coerência em cada interação.

Seja por meio da unificação de dados, da digitalização da equipe de vendas ou da aplicação de IA generativa, o futuro do varejo passa por integrar tecnologia, estratégia e experiência do cliente em um só fluxo.

Como Andrea reforçou, quem começar cedo terá vantagem competitiva. Quem demorar, enfrentará concorrentes já estabelecidos e consumidores cada vez mais exigentes.